Voltado para a área de língua portuguesa, o objetivo do blog é divulgar conteúdos relacionados à literatura, gramática, leitura, ortografia, produção e realização de projetos.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu sei , mas não devia

Marina Colassanti

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Fonte:
COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. RJ: Editora Rocco, 1996

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

crônica

Na escuridão miserável


Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:
- O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.
- Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.
- O que é que você está me olhando aí?
- Nada não senhor - repetiu. - Tou esperando o ônibus...
Onde é que você mora?
- Na Praia do Pinto.
- Vou para aquele lado. Quer uma carona?
Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:
- Entra aí, que eu te levo.
Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:
- Como é o seu nome?
- Teresa.
- Quantos anos você tem, Teresa?
- Dez.
- E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?
- A casa da minha patroa é ali.
- Patroa? Que patroa?
Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.
- Hoje saí mais cedo. Foi 'jantarado'.
- Você já jantou?
- Não. Eu almocei.
- Você não almoça todo dia?
- Quando tem comida pra levar de casa eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.
- E quando não tem?
- Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.
- Mas não te dão comida lá? - perguntei, revoltado.
- Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado. Mamãe disse pra eu não pedir.
- E quanto é que você ganha?
Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro! Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.
- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? - perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:
- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras. E aí no outro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados. Pode parar que é aqui moço, obrigado.
Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto...

(Fernando Sabino)

1) A crônica é quase sempre um texto curto, com poucas personagens, que se inicia quando os fatos principais da narrativa estão por acontecer. Por essa razão, o tempo e o espaço são limitados. Na crônica " Na escuridão miserável":
a) Quais são as personagens envolvidas na história?

b)Onde acontecem os fatos narrados?

c)Qual o tempo de duração desses fatos?

2) Na crônica, os fatos podem ser narrados por um narrador-observador ou por um narrador-personagem. Qual o tipo de narrador na crônica”Na escuridão miserável”? Justifique sua resposta.
_________________________________________________________________________________________       3)O cronista volta seu olhar atento para notícias veiculadas em jornais falados e escritos e para fatos do dia-a-dia. E os registra com sensibilidade e poesia, ora provocando humor, ora provocando uma reflexão crítica acerca da realidade.
a) A história retratada na crônica lida é apenas ficcional , ou seja, inventada pelo cronista? Justifique sua resposta.
____________________________________________________________________________________________    b)Que objetivos o autor da crônica “ Na escuridão miserável” tem em vista: criar humor e divertir ou levar o leitor a refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos?
____________________________________________________________________________________________
4) Observe a linguagem empregada na crônica  em estudo:
a) Os fatos são narrados de forma pessoal, subjetiva, isto é, de acordo com a visão do cronista, ou são narrados de forma impessoal, objetiva, numa linguagem jornalística?
_____________________________________________________________________________________________
b) Em relação à linguagem, a crônica está mais próxima do noticiário geral de um jornal ou dos textos literários, como o conto, o mito, o poema  ?
_____________________________________________________________________________________________
c)  Que tipo de variedade lingüística é adotado na crônica: a variedade padrão formal ou a variedade padrão informal? Justifique sua resposta.
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Pedindo uma pizza em 2009...

Luiz Fernando Veríssimo

Telefonista:- Pizza Hot, boa noite!
Cliente:- Boa noite, quero encomendar pizzas...
Telefonista:- Pode me dar o seu NIDN?
Cliente:- Sim, o meu número de identificação nacional é 61021993845654632107.
Telefonista:- Obrigada, Sr.Lacerda. Seu endereço é Avenida Paes de Barros, 1988, apt° 52 B, e o número de seu telefone é 54942366, certo? O telefone do seu escritório da Lincoln Seguros é o 57452302 e o seu celular é 92662566.
Cliente:- Como você conseguiu essas informações todas?
Telefonista:- Nós estamos ligados em rede ao Grande Sistema Central.
Cliente:- Ah, sim, é verdade! Eu queria encomendar duas pizzas, uma quatro queijos e outra calabresa...
Telefonista:- Talvez não seja uma boa idéia...
Cliente:- O quê?
Telefonista:- Consta na sua ficha médica que o Sr. sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a sua saúde.
Cliente:- É, você tem razão! O que você sugere?
Telefonista:- Por que o Sr. não experimenta a nossa pizza Superlight, com tofu e rabanetes? O Sr. vai adorar!
Cliente:- Como é que você sabe que vou adorar?
Telefonista:- O Sr. consultou o site "Recettes Gourmandes au Soja" da Biblioteca Municipal, dia 15 de janeiro, às 14:27h, onde permaneceu ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha sugestão.
Cliente:- OK, está bem! Mande-me duas pizzas tamanho família!
Telefonista:- É a escolha certa para o Sr., sua esposa e seus filhos, pode ter certeza.
Cliente:- Quanto é?
Telefonista:- São R$ 49,99.
Cliente:- Você quer o número do meu cartão de crédito?
Telefonista:- Lamento, mas o Sr. vai ter que pagar em dinheiro. O limite do seu cartão de crédito já foi ultrapassado.
Cliente:- Tudo bem, eu posso ir ao Multibanco sacar dinheiro antes que chegue a pizza.
Telefonista:- Duvido que consiga, o Sr. está com o saldo negativo no banco.
Cliente:- Meta-se com a sua vida! Mandem-me as pizzas que eu arranjo dinheiro. Quando é que entregam?
Telefonista:- Estamos um pouco atrasados, serão entregues em 45 minutos. Se o Sr. estiver com muita pressa pode vir buscá-las, se bem que transportar duas pizzas na moto não é aconselhável, além de ser perigoso...
Cliente:- Mas que história é essa, como é que você sabe que eu vou de moto?
Telefonista:- Peço desculpas, mas reparei aqui que o Sr. não pagou as últimas prestações do carro e ele foi penhorado. Mas a sua moto está paga, e então pensei que fosse utilizá-la.
Cliente:- - @#%/§@?#>§/%#!!!!!!!!!!!!!
Telefonista:- Gostaria de pedir ao Sr. para não me insultar... não se esqueça de que o Sr. já foi condenado em julho de 2006 por desacato em público a um Agente Regional.
Cliente:- (Silêncio)
Telefonista:- Mais alguma coisa?
Cliente:- Não, é só isso... não, espere... não se esqueça dos 2 litros de Coca-Cola que constam na promoção.
Telefonista:- Senhor, o regulamento da nossa promoção, conforme citado no artigo 3095423/12, nos proíbe de vender bebidas com açúcar a pessoas diabéticas...
Cliente:- Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou me atirar pela janela!!!!!
Telefonista:- E machucar o joelho? O Sr. mora no andar térreo!...

domingo, 3 de outubro de 2010

como uma onda

1-Complete as frases com as palavras abaixo . Atenção,pois elas estão fora de ordem:

Mar - Passará - dia – vê - dentro –agora - mundo – fugir – vindo – será - muda


Como uma onda
Lulu Santos

Nada do que foi _________
De novo do jeito que já foi um _________
Tudo passa
Tudo sempre __________

A vida vem em ondas
Como um _________
Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No ___________

Não adianta ___________
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui __________ sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar

Nada do que foi será
De novo do jeito
Que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará

A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e __________ infinito

Tudo que se ________ não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo ______________ o tempo todo
No mundo

Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo ______________
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar